Nº. 665 – Estrelismo no culto – 02 mar 2003, p. 4

//Nº. 665 – Estrelismo no culto – 02 mar 2003, p. 4

Nº. 665 – Estrelismo no culto – 02 mar 2003, p. 4

 

Música – Nº. 665

Estrelismo no culto

Rolando de Nassáu

“Dia após dia começo a encontrar mais de mil maneiras de amar; tudo azul, Adão e Eva no paraíso, sem pecado e sem juízo”, – em 1985, no “Rock in Rio”, vendendo mais de 2 milhões de discos, assim cantava Baby Consuelo, enquanto seu então marido, Pepeu Gomes, dizia: “Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, se Deus é menina e menino”; ambos pretendiam ridicularizar o relato bíblico (Gênesis 3:6, 16-19); no Paraíso, Adão e Eva não teriam cometido pecado e não ficaram sob o juízo divino.

Mas em 1997 o último CD de Baby não chegou a vender 20 mil cópias.

Recentemente, a cantora popular “deu mais uma guinada radical em sua vida. Fundou uma igreja e virou pastora evangélica” (ver: revista “ÉPOCA”, 02 dez 02, pp.106-107). Em agosto de 2000, saindo da vida mundana e entrando no meio evangélico com o nome de Baby do Brasil, aproximou-se da Comunidade “Sara Nossa Terra” e acabou sendo ministra de louvor no Clube “Monte Líbano”, ponto carnavalesco no Leblon (Rio de Janeiro, RJ), para gravar um CD com música “gospel” (ver: artigo “Gospel: sem limite”, OJB, 11 set 00, p.7); era o CD “Exclusivo para Deus”. Baby Consuelo tinha encontrado uma entre mais de mil maneiras de cantar, “sem pecado e sem juízo”, sendo precedida por cantores famosos, cujas carreiras profissionais foram salvas pelo mercado evangélico.

Esses cantores têm o apoio de instrumentos de percussão (tambores, tamborins, baterias, pandeiros, berimbaus, cuícas, etc.), porque “o batuque é chique” (ver: revista “ÉPOCA”, 24 jun 02, p.66), e já pode ser ensinado até em nossos seminários e faculdades teológicas. “Quem disse que não se pode adorar a Deus assim?”, indaga Baby, amparada pelo “marketing da adoração”. As 134 gravadoras evangélicas, sem contar as multinacionais da indústria fonográfica, garantem o pão cotidiano dos que cantam; elas confiam na ingenuidade dos consumidores evangélicos, que representam 30% do mercado. Na atualidade, os mais apreciados pelos brasileiros são o samba, o pagode e o “pop” (ver: revista “VEJA”, 25 set 02, p.118); o rock evangélico aproveita elementos desses três tipos. Um diretor da “Top Gospel”, que relançou Wanderley Cardoso, disse que “a conversão dele faz vender”; é o “marketing da conversão”. Nélson Ned, autor de “Segura na mão de Deus”, cantado por católicos, protestantes, evangélicos, batistas e espíritas, convertido no início da década de 90, já gravou sete CDs “evangélicos”. Tem gravações lançadas na América, Europa e África. Cantou no “Carnegie Hall” e no “Madison Square Garden”, em New York (USA) (ver: artigo “Músicos evangélicos do Século 20”, OJB, 19 jul 99, p.10). Carmen Silva começou a ter sucesso em sua carreira em 1969 (“Adeus, solidão”); no início da década de 90 caiu no ostracismo; converteu-se em 1996 e desponta como “estrela do gospel”.

Ainda segundo a recente reportagem da revista “ÉPOCA”, o escritor Paulo César Araújo diz que “a religião só é procurada pelos (artistas) que estão no limbo … no auge do sucesso, a religião serve para abrir um nicho de mercado”; é o “marketing da religião”.

Algumas igrejas têm sucumbido à tentação de convidar celebridades (artistas, políticos, governantes, evangelistas, etc.) para os cultos: delas ou das igrejas? As “estrelas” que brilham nos cultos (Cristina Mel, Kléber Lucas, Carlinhos Félix, Mara Maravilha, etc.) são as mesmas que reluzem nas ruas e nas salas-de-espetáculo.

Inevitavelmente, artistas famosos, inclusive os cantores, que se convertem, trazem, para dentro da igreja e durante o culto, o seu estrelismo. Alguns são usados pela igreja como “instrumentos” na evangelização; por sua vez, eles usam a conversão para diversificar seu “marketing”; vão ao culto somente para fazer “show”, recebendo da igreja cachês a peso de ouro. Desde 1976, temos advertido: certas igrejas (atualmente imitando o modelo “moderninho” de Rick Warren) transformaram seus cultos em “shows” (ver: artigo “A música no culto divino”, OJB, 22 ago 76, pp.2 e 7). Nesses “shows”, os grupos e as equipes de louvor são vedetes que estão em busca do estrelismo. Começando na década de 60, alguns líderes contribuíram para a atual decadência na execução musical em nossas igrejas (ver: Rolando de Nassau, A hinodia evangélica no Brasil. Revista Teológica, No.17, dez 98 / jan 99, pp.36-44. Rio de Janeiro: STBSB).

Ainda é tempo de impedir que no culto brilhem o ouro importado (artistas famosos) e a prata da casa (grupos e equipes de louvor) !

(Publicado em “O Jornal Batista”, 02 mar 2003, p. 4)