Nº. 674 – Como ouvir música – 07 dez 2003, p. 4

//Nº. 674 – Como ouvir música – 07 dez 2003, p. 4

Nº. 674 – Como ouvir música – 07 dez 2003, p. 4

 

Música – Nº. 674

Como ouvir música

Rolando de Nassáu

Ouvir ou ler, sem refletir, é ocupação vã; refletir, sem livro nem mestre, é perigoso” (Confúcio)

Muita gente, em nossas igrejas, inclusive quem canta ou toca algum instrumento musical, não sabe ouvir, e não quer refletir sobre a obra executada.

O ouvinte deve: 1) conhecer a história da música, profana ou religiosa; 2) saber situar uma determinada obra num período da história da música; 3) livrar-se dos chavões literários a respeito da obra escolhida, procurando descobrir o verdadeiro significado da obra; 4) dedicar tempo à audição atenta da obra; 5) evitar a criação de “ídolos” particulares entre os compositores selecionados.

Obviamente, o ouvinte não deve desperdiçar tempo e dinheiro ouvindo improvisadamente obras medíocres.

A audição deve ser um momento de reflexão. Ouvir música alivia a solidão; ouvir bem a boa música é um dos prazeres da solidão. O prazer é pessoal, não social. Tenho prazer em ouvir as cantatas de Bach, contudo, será muito difícil fazer com que a minha comunidade tenha igual prazer. Felizmente, ainda existem ouvintes solitários; vez por outra, consultam-nos sobre determinada obra erudita ou certo hino.

Ouvimos música para entretenimento ou para prestar culto; para entretenimento, ouvimos música profana, erudita ou popular; para louvar a Deus, na sinceridade de nossos corações e na profundidade de nossas mentes, a música religiosa. É imprescindível saber distinguir os gêneros.

Quando ouvimos música religiosa, devemos ter o objetivo de afervorar nossa fé cristã ou de reavivar nossa espiritualidade, reanimar nossa esperança nas promessas divinas, estimular nossa cooperação nos trabalhos da Igreja ou fortalecer nossos laços fraternais na comunidade cristã.

Isolados ou num grupo, devemos procurar um ambiente tranqüilo e silencioso (um templo, uma sala-de-concertos, um cômodo da residência), no qual possamos refletir sobre o tema da obra.

Mais do que meramente ouvir a obra musical, é necessário escutar as notas e os timbres, perceber os andamentos rítmicos e as nuanças melódicas.

John Stuart Mill, referindo-se a uma ária de Mozart, afirmou: “Podemos imaginá-la por meio da auto-escuta”. A música, religiosa ou profana, deve propiciar a auto-escuta. As boas obras fazem com que suas idéias e seus sentimentos desabrochem durante a audição; o ouvinte pode escutar o seu íntimo.

Programando o tempo e a situação (recital, concerto, gravação, publicação), o ouvinte poderá usufruir a obra, cômoda e eficientemente. Não deve ser uma audição improvisada e interrompida.

Quem ouve música erudita pelo rádio do carro (enquanto viaja ou está no período do trabalho), por meio do toca-discos em casa (enquanto realiza alguma atividade doméstica), ou pelo computador pessoal (enquanto navega pela Internet ou digita algum texto), certamente não tem uma audição satisfatória; talvez não saiba ouvir música. Até mesmo quem ouve música religiosa no templo e aproveita (?) para conversar, demonstra que não sabe ouvir música sacra.

Ouvir atentamente, conscientemente, inteligentemente, é o mínimo que o ouvinte pode fazer pelo futuro da arte musical.

Devemos procurar uma obra musical, profana ou religiosa, que seja: 1) interessante por sua forma e conteúdo; 2) provada pelo tempo; 3) propícia à reflexão, ou ao devaneio, quando for o caso; 4) capaz de contribuir para o aperfeiçoamento pessoal; este ideal, para alguns arcaico, para muitos poderá ser relevante.

O compositor, para ter algum valor, deve ter a sua própria personalidade. O caráter individual do compositor é formado por sua personalidade pela influência exercida pela época em que viveu; constitui, afinal, o seu estilo.

O compositor, por meio de sua obra, quer chegar aos ouvidos, à mente e à sensibilidade do ouvinte. Os bons compositores conhecem bem a natureza humana; em suas peças, as reações dos homens comuns aparecem nas formas musicais.

Para o compositor, ouvinte importante é aquele que absorve a obra e é capaz de aperfeiçoar o seu próprio gosto musical.

O crítico musical é o intermediário entre o compositor e o ouvinte; pode ser útil na escolha das obras; deve explicitar o que está implícito na obra analisada; deve perceber o que pode e deve ser explicitado.

 

Chegaram a este ponto, os leitores mais curiosos ou mais interessados numa audição eficiente, eficaz, instrutiva e prazerosa. Poderão dar o próximo passo para alcançar prazer estético e enlevo espiritual na música que, doravante, procurarão ouvir.

(OJB, 07 dez 2003, p. 4).

 

2018-02-21T14:20:55+00:00 By |Obras musicais|