S/Nº. – Tributo a Marcílio de Oliveira Filho (2) – R. T. Hollanda – 15 jan 2006, p. 4

//S/Nº. – Tributo a Marcílio de Oliveira Filho (2) – R. T. Hollanda – 15 jan 2006, p. 4

S/Nº. – Tributo a Marcílio de Oliveira Filho (2) – R. T. Hollanda – 15 jan 2006, p. 4

 

Tributo a Macílio de Oliveira Filho (II)

Rolando de Nassáu

O arregimentador – Trabalhávamos, em 1988, na Assembléia Nacional Constituinte, quando deparamos com emenda apresentada pelo deputado federal Matheus Iensen, membro da Igreja Evangélica Assembléia de Deus em Curitiba (PR), que restringia o direito de autores de obras de expressão artística. Tinha sido aprovado, em 1987, um dispositivo que assegurava aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixasse.

Em setembro daquele ano, Matheus Iensen propôs acrescentar as expressões “salvo sobre músicas sacras inspiradas ou baseadas em textos bíblicos, cujos direitos serão de imediato domínio público”. Isto significava a abolição do direito autoral de poetas e compositores religiosos.

Imediatamente, pressentindo a gravidade da ameaça, em 8 de maio escrevemos cartas, de igual teor, para Marcílio, um músico batista do Recife e um músico presbiteriano do Rio de Janeiro. Em 24 de maio, Marcílio, então pastor interino da Igreja Batista do Ipiranga e presidente da AMBB, foi o único a responder e aceitar o desafio de combater a infeliz iniciativa do parlamentar evangélico: “Sua carta muito me alegrou. (…) despertei-me para este momento importante para nós. (…) devemos mostrar que o compositor sacro, quando se utiliza de textos bíblicos, está criando uma obra própria. (…) Os grandes oratórios contiveram textos bíblicos, muitos até literalmente. (…) Minha preocupação é saber se ainda há tempo hábil para se tentar discutir. (…) Outra inquietação é como chegar aos Constituintes”. Em 31 de maio, Marcílio participou de uma reunião com diversos músicos profissionais evangélicos, em que foi avaliada a situação dos direitos.

O grupo parlamentar “Centrão” aproveitou, em 1º. de junho, a proposição de Matheus Iensen, num artigo a ser inserido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dizia: “o direito autoral não se aplica a música sacra baseada em textos bíblicos, quando utilizados em programas de caráter religioso”. É oportuno observar que Matheus Iensen, na época, era proprietário de emissora de rádio e pouco se importava com os direitos autorais de letristas e compositores religiosos.

Surpreendeu-nos a capacidade de Marcílio para mobilizar líderes denominacionais e convencer autoridades da ANC. Em 15 de junho, uma caravana esteve na ANC em contato pessoal com 23 dos 33 Constituintes evangélicos (dos quais oito eram batistas), visando a supressão da emenda de Matheus Iensen, mas este não desistiu de seu intento. Os Constituintes evangélicos disseram desconhecer o texto em discussão na ANC. Marcílio saiu de Brasília com esta impressão: “Nunca em toda a história, os músicos foram tão prestigiados e receberam tamanho apoio”.

Tendo apenas duas semanas, Marcílio iniciou “uma campanha gigantesca”: providenciou a remessa de 11 mil volantes para pastores, igrejas e músicos; o diretor de OJB publicou editorial sobre a questão; o pr. Genésio Pereira escreveu carta-circular, em nome da JUERP, aos pastores e regentes corais.

Na sessão noturna de 29 de junho, Matheus Iensen, em discurso na ANC, declarou que, em virtude de incompreensão da imprensa secular e evangélica, e dos evangélicos em geral, retirava sua emenda. Aprovado o item XXVII do Artigo 5º. da Constituição de 1988, desde então nenhuma entidade, denominacional ou secular, pode publicar ou gravar músicas dos compositores religiosos sem a expressa autorização.

Em 3 de agosto, os líderes voltaram a Brasília para agradecer aos Constituintes evangélicos o apoio dado à campanha em favor dos direitos autorais dos músicos religiosos.

Marcílio escreveu quatro artigos (jun, jul, ago e out 1988) com dois recados: “Os músicos devem se interessar mais por estes temas, pois deles dependem”. (…) os (parlamentares) evangélicos devem estar sempre atentos quando do trato de questões específicas, que podem comprometer a estabilidade das instituições evangélicas”.

Em toda esta matéria, Marcílio foi o grande arregimentador de líderes, dentro e fora da Denominação Batista, e o acionador de diversos órgãos da burocracia denominacional. Não sabemos se, em tão pouco tempo de árdua campanha (menos de três meses), os músicos batistas perceberam e compreenderam o denodado esforço de Marcílio para defender os seus legítimos interesses.

O pesquisador – Em 1984, um GT da AMBB começou a formular uma filosofia para a música dos batistas no Brasil. Marcílio, que tinha experiência na realização de caravanas musicais, com finalidade evangelística, visitando cidades em diferentes Estados, no princípio de 1986 sonhou o projeto “Cantem, batistas brasileiros!”, com dois objetivos principais: 1º.) incentivar compositores e poetas a produzirem hinos e cânticos; 2º.) pesquisar o que o povo batista brasileiro vinha cantando em suas igrejas. Durante o segundo semestre de 1986 e o primeiro de 1987, Marcílio e sua esposa, Zelda, com o apoio financeiro da Missão Batista do Sul do Brasil, percorreram o País, colhendo informes e partituras, gravando peças musicais inéditas, avaliando o documento “Fundamentos da Música Sacra das Igrejas Batistas do Brasil” com lideranças locais e preparando congressos regionais. Com muito entusiasmo, o casal passou, entre outras cidades, por Rio Branco (AC), Porto Velho (RO), Manaus (AM), Santarém (PA), Belém (PA), Macapá (AP), São Luís (MA), Teresina (PI) e Fortaleza (CE). Graças à iniciativa de Marcílio, o projeto revelou o jovem compositor Hiram Simões Rollo Júnior.

Apesar de constantes, extensas e cansativas viagens de Marcílio e Zelda por muitas partes do Brasil, o propósito de pesquisar a hinodia usada em várias regiões parece que não alcançou plenamente o desiderato do projeto. Não ficamos sabendo quando, onde e por quem foram cantados “os hinos da época”, e não foram preservados alguns dos “favoritos”. Marcílio não teve tempo para interpretar os resultados; ele atribuiu à CBB a tarefa de avaliar os dados.

Quanto ao estilo, antes da edição do HCC, sugerimos a hipótese de que a maioria dos 50 hinos mais cantados na época da pesquisa pertencia ao período em que foram produzidos os hinos evangelísticos (“gospel hymns”).

Do CC foram aproveitados 166 hinos no HCC. Ainda que estivessem entre os 50 mais cantados, pelo menos 10 não foram reproduzidos no HCC.

Persiste a queixa dos apreciadores do CC – que hinos favoritos do povo batista não foram incluídos no HCC.

O compositor – Marcílio ouviu a música de Villa-Lobos – Mirando as obras de Villa-Lobos, que buscou no folclore inspiração para realizar a almejada música sacra erudita brasileira, em 1976 oferecemos ao exame dos músicos batistas 12 diretrizes; dentre elas as seguintes: 1) admitir as melodias folclóricas e populares, escoimando-as de sentido profano; 2) incorporar novos hinos e peças corais no repertório das igrejas, sempre tendo em vista a atual realidade brasileira. Sugerimos também que os compositores batistas observassem as constâncias melódicas, rítmicas e harmônicas da música brasileira.

Os Batistas ouviram do Ipiranga às margens plácidas o brado retumbante de Marcílio – Incentivado por Artur Alberto de Mota Gonçalves (1934-2005), pastor da Igreja Batista do Ipiranga, em São Paulo (SP), da qual era membro, enquanto lecionava música na FTBSP, a partir de 1976 Marcílio compôs músicas para hinos congregacionais observando as constâncias acima referidas. Entre 1976 e 1987, Marcílio compôs para os atuais hinos nºs. 355, 321, 531, 533, 555, 473, 532 e 595 do HCC. “Aflito? Por que aflito?” (1976), é marcharancho, de tom alegre e ritmo ondulante, por vezes vivo ou dolente. “Mas nós somos luz” (1980) é “chorinho”; o texto é escatológico; a música, de caráter plangente e sentido nostálgico; na década anterior tinha ocorrido o renascimentodeste gênero. “Que feliz é o lar” (1987) é toada; é breve canção sentimental, commelodia simples, a respeito do amor familiar. Na opinião de Oswaldo Lacerda, “as terças caipiras se prestam excelentemente a serem empregadas na música sacra nacional”. Em nossa opinião, Marcílio tinha um fascinante jeito caipira de relacionar-se com a música de escol. Os outros cinco hinos foram elaborados em 1980, 1982, 1983 e 1984. O exemplo de Marcílio como compositor foi seguido mais de perto por Hiram Simões Rollo Júnior. Outros admiradores de Marcílio também contribuíram para a nova hinodia batista brasileira.

Articulista, arregimentador, pesquisador e compositor, Marcílio foi um obreiro polivalente (ver: “O Jornal Batista”, 29 jul 1990, p.2).

(Publicado em “O Jornal Batista”, 15 jan 2006, p. 4).

 

2018-02-21T14:30:27+00:00 By |Personalidades|