Nº. 708 – “Pra cima, Brasil” – 03 set 2006, p. 4

//Nº. 708 – “Pra cima, Brasil” – 03 set 2006, p. 4

Nº. 708 – “Pra cima, Brasil” – 03 set 2006, p. 4

 

Música – Nº. 708

“Pra cima, Brasil”

Rolando de Nassáu

(Dedicado ao leitor Zacarias Gomes da Silva, de São Gonçalo, RJ)

Em meados da década de 60, Chico Buarque de Hollanda destacou-se na chamada Música Popular Brasileira com a canção-de-protesto “Pedro pedreiro”, na qual é contada a situação de um trabalhador, que não tem vintém, à espera de um trem, na esperança de trabalhar “para o bem de quem tem bem”. A canção-de-protesto apareceu como imediata reação ao regime instaurado em 1964.

Algo tardiamente, a preocupação com os problemas sociais foi acolhida 20 anos mais tarde na música evangélica brasileira, especialmente nos hinários “Novo Canto da Terra” (1987) e “Cantar a Esperança” (1988).

No início da década de 80 tinha surgido um cantor, hinógrafo e compositor evangélico, que depois tentou a canção-de-protesto de sentido religioso – João Alexandre; um bom e oportuno exemplo, de sua lavra, é “Pra cima, Brasil”, com os seguintes versos: “Como será o futuro do nosso país? Surge a pergunta no olhar e na alma do povo. Cada vez mais cresce a fome nas ruas, nos morros. Cada vez menos dinheiro pra sobreviver. Onde andará a justiça, outrora perdida? Some a resposta na voz e na vez de quem manda. Homens com tanto poder e nenhum coração. Gente que compra e que vende a moral da nação. Brasil, olha pra cima. Existe uma chance de ser novamente feliz. Brasil, há uma esperança. Volve teus olhos para Deus, justo juiz”.

João Alexandre assumiu uma posição crítica diante de temas agora tratados em hinários evangélicos “tradicionais”, inclusive no HCC (hinos nos. 549-556) e da onda ufanista despertada pela Copa do Mundo (“Pra frente, Brasil”).

Antes da atual ênfase no combate à fome e aos baixos salários, João Alexandre afirmou: “Cada vez mais cresce a fome nas ruas, nos morros. Cada vez menos dinheiro para sobreviver”.

O hinário “Novo Canto da Terra” (NCT) anseia pelo dia em que “os nossos pratos numa terra dividida um dia se dividam numa terra reunida” (hino no. 189), ao mesmo tempo em que reconhece que “o dinheiro, as honrarias, são comidos pela traça; nossas falsas alegrias não têm vida, nem têm graça” (NCT-55), e pondera:

“como vamos cantar, se o Irmão é explorado, se lhe fazem calar, se ele é sempre anulado?” (NCT-168).

Diante do quadro de miséria material, João Alexandre indaga: “Como será o futuro do nosso país? Surge a pergunta no olhar e na alma do povo”. O NCT-5 responde: “Ouviremos as vozes da esperança sem temer, para viver mesmo no escuro? Pela fé, viveremos na confiança que ilumina o caminho do futuro”, para lembrar aos crentes: “E se não fosse o Senhor que estava ao nosso lado, que o diga você que é brasileiro” (NCT-36).

Além da miséria material, João Alexandre aponta para a corrupção promovida atualmente pelos poderosos: “Some a resposta na voz e na vez de quem manda. Homens com tanto poder e nenhum coração. Gente que compra e que vende a moral da nação”.

O hinário “Cantar a Esperança” (p.48) lembra que o Evangelho “atacou corruptos, mercadores, por isso é que hoje temos esperança, por isso olhamos hoje em confiança para o porvir dos povos oprimidos”.

Será que os Evangélicos no Brasil, que nos primórdios sofreram perseguição por causa de sua fé e de sua doutrina, na atualidade estão se levantando contra os poderosos que corrompem todos os setores da nação brasileira?

Infeliz e lamentavelmente, políticos evangélicos foram envolvidos por escândalos nos estados e municípios. Membros da bancada evangélica no Congresso Nacional participaram de esquemas escusos e fraudulentos. Os crentes evangélicos não podem ser complacentes com os corruptos.

Na época do hinário NCT (década de 80), um hinógrafo considerou que “homens poderosos se levantam contra nós para nos assustar com crimes e torturas; sua enorme violência nos faria perecer, quando nos impingiram tramas e mentiras” (NCT-36). João Alexandre insiste: “Onde andará a Justiça?”. O hinário responde: “E nossa voz soará como um terrível gemido, pela justiça a clamar” (NCT-140). O novo hinógrafo dá um alento ao cantor (“Brasil, há uma esperança. Existe uma chance de ser novamente feliz”), apoiado pelo hinário de 1987: “Nunca se acaba a esperança, pois Cristo está vivo e não sofre mudança. Ela se cumpre na história, marcante, concreta, e explode na glória” (NCT-171).

Finalmente, o novo hinógrafo incentiva o povo brasileiro, não a torcer pela seleção de futebol, mas a depositar sua confiança em Deus: “Brasil, olha pra cima. Volve teus olhos para Deus, justo juiz”. Mas o hinário adverte: “Não será pela aparência, do olhar, do ouvir dizer, que Ele irá julgar os homens, como é praxe acontecer. Mas os pobres desta terra com justiça julgará, e dos fracos o direito Ele é quem defenderá” (NCT-20).

 

Esta é a oportunidade para autores e compositores, que se dedicam à música de entretenimento, terem um pouco de seriedade no trato de problemas sociais. Fazem falta canções-de-protesto. Seria bom que viessem a público antes das próximas eleições. Mas teriam de ser apartidárias, pois todos os partidos políticos tradicionais foram contaminados. Seria melhor que fossem cantadas antes dos eleitos tomarem posse. Mas teriam de repetir o refrão: “Pra cima, Brasil”.

(Publicado em “O Jornal Batista”, 03 set 2006, p. 4).

 

2018-02-21T14:42:23+00:00 By |Publicações|