No. 800 – Morfologia do “gospel” – 07 set 14

//No. 800 – Morfologia do “gospel” – 07 set 14

No. 800 – Morfologia do “gospel” – 07 set 14

MÚSICA – No. 800

MORFOLOGIA DO “GOSPEL”

(Dedicado ao leitor Délcio Ferreira Manrique, de Campinas, SP)

 

Encontramos na hinodia evangélica norte-americana quatro formas de composição e expressão: “spiritual song” (canção espiritual) – forma tradicional do canto religioso dos negros africanos, praticado principalmente no Sul dos EUA; baseada no “blues”.

No século 18, as igrejas batistas e metodistas esperavam dos escravos negros trazidos da África que aprendessem a falar inglês, adotassem a religião cristã e cantassem os hinos de John Wesley (1703-1791).

No fim do século 19, a “spiritual song” entrou nas universidades (presbiteriana da Pensilvânia, metodista do Ohio e a Fisk do Tennessee), nas igrejas e nas salas-de-concerto, e influenciou compositores eruditos (por exemplos: Antonín Dvo- rak, 1841-1904; Virgil Thomson, 1896-1989).

As primitivas “spiritual songs” eram construídas na forma tão comum às canções africanas, tinham afirmação e resposta (ver: “Swing Low, Sweet Chariot”).

Mas os negros desenvolveram a melodia e a harmonia, dando à resposta a forma coral (ver: “Steal Away to Jesus”).

“The Baptist Hymnal”, hinário publicado em 1991 pela Southern Baptist Convention, contém duas “spiritual songs”: “Go, Tell It on the Mountain”, letra de John W. Work Jr. (TBH-95), e “In Christ There Is No East or West”, adaptação de Harry Thacker Burleigh (TBH-385) para a canção “I Know the Angel’s Done Changed My Name” (ver: John W. Work III, American Negro Songs and Spirituals). “gospel hymn” (hino evangelístico) – forma adequada ao culto de adoração e evangelização; desde 1860 usado pelas igrejas evangélicas no Brasil; durante muito tempo (1890-1990) o “Cantor Cristão” foi o grande repertório de hinos evangelísticos para os Batistas no Brasil.

“The Baptist Hymnal” (TBH-334) e “Cantor Cristão” (CC-375) têm um belo exemplar de hino evangelístico, o hino “Blessed Assurance” (“Segurança”).

Paralelamente, enquanto era muito cantado entre os brancos, deca- iu a popularidade da “spiritual song” entre os negros, por causa de sua antiga associação com a escravidão, e a ocasional segregação racial, que foi mais intensa entre 1865 e 1880 (ver: Niebuhr, The Social Sources of Denominationalism, New York: Living Age, 1957). “gospel song” (canção evangelística) – no início do século 20, forma moderna do canto dos afro-americanos; baseada no “blues”; com ênfase ainda no texto religioso, mas adotando ritmos e instrumentos da música popular atraiu a atenção do público negro.

Até então, os brancos não faziam ideia do que acontecia aos do- mingos nas igrejas dos negros.

Poetas negros eram, em geral, os autores dos textos das “gospel songs” (por exemplo: James Langston Hughes, 1902-1967). Cantoras negras foram as principais intérpretes dessa espécie de hinodia (por exemplos: Mahalia Jackson, 1911-1972; Marion Williams, 1927-1994). Devemos ressaltar o fato de que Mahalia Jackson “se recusava terminantemente a cantar qualquer coisa que não fosse para a glória do Senhor, ou cantar onde também fosse executada música reprová- vel” (ver: Eric Hobsbawn, História social do jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990). “gospel music” (música evangélica) – a partir da década de 30, foi dada maior ênfase ao ritmo, especialmente ao jazz.

Na década de 50, a “gospel music” influenciou a “soul music” (por exemplos: Ray Charles, 1930-2004, misturou o “blues” com o “gospel”; Aretha Franklin, 1942-    ,  era acompanhada de guitarras “en staccato”, órgãos arpejantes, baterias barulhentas, contrabaixos rumorejantes e metais estridentes). Entre 1972 e 1987 a “gospel music” personificada em Aretha Franklin gozou de muito prestígio popular, a tal ponto de ser chamada de “Aretha Gospel”.

A maioria das grandes cantoras do “jazz” iniciou suas carreiras em igrejas batistas como cantoras de “gospel” (por exemplos: Sarah Vaughan, 1924- 1990; Dinah Washington, 1924-1963) (ver: Noël  Balen, Histoire du negro spiritu- al et du gospel. Paris: Fayard, 2001).

Fizemos a indagação: “É possível a um único compositor em pouco tempo mudar o gosto musical de uma comunidade religiosa?” Nossa respos- ta foi: “parece que um compositor, no período de uma década, conseguiu mu- dar o gosto musical da comunidade batista negra” (OJB, 14 abr 85). Antes de 1940, a “gospel music” tinha substituído a “spiritual song”, o “gospel hymn” e  a “gospel song”.

A proeza foi conseguida por Thomas Andrew Dorsey (1899-1993).

Entre 1921 e 1931, Dorsey trabalhou como pianista de música popular. Então imaginou fundir a tradição do canto congregacional com o “blues”; à fusão deu o nome de “gospel music” (música evangélica). Além de enfatizar o ritmo, destacava o estilo do intérprete.

Em 1932 ocorreu uma tragédia: morreram sua mulher e seu primeiro filho. Muito abatido, compôs a canção “Precious Lord, Take My Hand” (Precioso Senhor, toma-me pela mão), que serviria de modelo à composição e expressão da nova hinodia.

A maioria dos pastores negros rejeitou a “gospel music” de Dorsey, por considerá-la incompatível com o culto divino. Mas a nova forma de “gospel” tem predominado no canto congregacional e coral das igrejas evangélicas norte-americanas.

No final do século 20, os mais importantes hinógrafos americanos eram Milton Biggham, Kirk Franklin, Andrae Crouch, Willetta GreenJohn- son, DeAndre Patterson, Norman Hutchins, Randy Phillips e Percy Gray Jr.

(Publicado em “O Jornal Batista”, de 07 de setembro de 2014, p.3)              

2018-02-21T16:29:39+00:00 By |Formas e estilos musicais|