No. 782 – Personagens bíblicos na música religiosa – 05 mai 13

//No. 782 – Personagens bíblicos na música religiosa – 05 mai 13

No. 782 – Personagens bíblicos na música religiosa – 05 mai 13

Música – No.782 

Personagens bíblicos na música religiosa

(Dedicado ao leitor Benjamin de Souza Filho, do Rio de Janeiro, RJ)

“Os cantores e os instrumentistas dirão: Todas as minhas fontes estão em Ti” (Salmo 87: 7) 

Ficamos surpresos ao encontrar no repertório de música erudita religiosa  quase uma centena de gravações (LPs, CDs e DVDs) de obras comentando  musicalmente a vida de personagens bíblicos.

Sem se revestirem de outras formas musicais (missas, antífonas, responsos, litanias, motetos, cantatas, salmos e hinos), essa gravações reproduzem exclusivamente oratórios de compositores eruditos.

Temos notícia da existência de 95 oratórios: 49 a respeito do ministério de Jesus Cristo e 46 referentes a outros personagens bíblicos.

Davi foi quem mais atraiu o interesse dos compositores.

Bernardo Pasquini (1637-1710) e Giovanni Battista Bononcini (1670-  1747) em seus oratórios mostram que Golias, num assustador desafio a Davi, estava com o corpo blindado e a língua afiada como uma espada …

Embora aproveite música litúrgica, em seu “Davi penitente” (KV-469,  1785), Wolfgang-Amadeus Mozart (1756-1791) comenta o pecado de Davi: cobiçando Betsabá, envia o general Urias à frente do combate, para que morra na guerra,  para conquistá-la mais facilmente. Tendo notícia da morte de Urias, a viúva chorou;   Davi sentiu remorso. A que ponto o compositor, notável operista, se inspirou no texto?

Tratando o mesmo assunto, Nicola Porpora (1685-1768), também num  estilo operístico, em 1734 compôs seu oratório, imitação dos de Haendel, terminando-  o com as incisivas palavras “pietá, merci, misericórdia”.

Na primeira obra, editada em 1959, Krzysztof Penderecki (1933-    )  teve sua inspiração religiosa baseada em quatro salmos de Davi (nos. 27, 30, 43 e 143).

Existem oratórios também para Abel, Abraão, apóstolos, Belsazar, Daniel, Débora, Elias, Estér, Ezequias, Isaías, Isaque, Jefté, Jeremias, Jó, João Batista, Jonas, José, Josué, Judite, Lázaro, Maria Madalena, Paulo, Pedro, Raquel, Rebeca, Rute, Salomão e Saul. Alguns compositores buscaram inspiração na Bíblia.

De Johann Sebastian Bach (1685-1750), a respeito de Jesus Cristo encontramos os oratórios do Natal, da Páscoa e da Ascensão, e os oratórios passionais  segundo os evangelistas João e Mateus. Enquanto Bach, sempre envolvido pelo ambiente eclesiástico, nas cantatas contempla a pessoa de Jesus, nos oratórios narra passagens do ministério de Cristo. Os oratórios foram compostos numa época (a partir  de 1732) quando as cantatas eram menos apreciadas pelas autoridades de Leipzig.

Na igreja reformada por Martin Luther (1483-1546) o primado absoluto foi dado ao ministério de Cristo. Bach, fiel à teologia de Lutero, tornou-se o melhor intérprete do pensamento luterano, apesar de viver numa época de mediocridades. Sua obra aguardou um século para ser devidamente apreciada.

No “Oratório do Natal” (BWV-248, 1734), aos recitativos Bach conferiu uma função estritamente narrativa; às árias, um caráter reflexivo. Embora trate  do humilde nascimento, o futuro sacrifício não deixa de ser comentado, enfatizando  a missão do Cristo: somente por meio da morte o menino Jesus salvará a humanidade. O título “oratório”, conforme Albert Schweitzer, é inadequado, porque a obra   em seu conjunto consiste de meditações líricas. Entretanto, seu significado não deve  ser procurado nas árias. Uma característica da vida de Bach é que o passar dos anos  não tem nenhum efeito sobre sua carreira artística; em 1734, aos 50 anos de idade,  quando compôs este oratório, ele podia escrever música “jovial” como se tivesse  25 anos. Em Leipzig, conservava o vigor desfrutado em Weimar.

O “Oratório da Páscoa” (BWV-249, 1735) é uma obra “sinótica”; Bach  comenta os acontecimentos depois da ressurreição (Mat. 28, Mar. 16, Luc. 24, Jo 20)  para dar aos evangelistas a oportunidade de confirmarem a divindade de Jesus. A obra originalmente era um oratório; Maria (a mãe de Tiago), Maria Madalena, Pedro  e João eram personagens dramáticos, que foram retirados por Bach, e mais tarde  editados por Wilhelm Rust numa grande cantata.

No “Oratório da Ascensão” (BWV-11, 1735), Jesus despede-se da Igreja  nascente, que expressa o seu ardente desejo de acompanhar o Mestre ao céu, no coral  “Quando chegará a hora em que eu possa ver o meu Salvador?” Na interpretação de  Bach, a dor da separação é compensada pela alegria da Ascensão. Bach aproveitou a  última estrofe do hino “Gott fähret auf gen Himmel”, de Gottfried Wilhelm Sacer,  para de certa forma antecipar a volta de Jesus, com as palavras “Komm, stelle dich  doch ein!” (Vem, por favor, coloca-Te com certeza aqui!”).

Nos oratórios passionais (BWV-245, 1724; BWV-244, 1729), Bach revelou seu entendimento de que à imagem do Jesus torturado pelos Judeus e Romanos  ele deveria contrapor o sentimento e a convicção de que uma alegria sobrenatural  se apossava do Cristo, ao cumprir Sua missão: o Seu sacrifício era necessário para  salvar o homem pecador. Primeiramente na “Paixão, segundo São João”, Bach fez  uma reflexão sobre o mistério da morte de Jesus.

Georg Friedrich Haendel (1685-1750) destinou seus oratórios ao ambi-  ente teatral, pois se adaptavam à estética operística e se ajustavam ao sentido do espetáculo. Por isso, entre outros, compôs oratórios inspirados nas vidas de Débora,  Estér, Jefté, José, Josué, Sansão, Saul e Salomão.

Na Inglaterra, na primeira metade do século 18, a música religiosa  era um produto pouco interessante. Thomas Tudway, William Turner, William  Croft, Maurice Greene e William Boyce compunham música-de-culto para a Igreja Anglicana, mas a figura dominante na vida musical era Haendel. A natureza religiosa dos oratórios de Haendel tinha sido incompleta; os seus heróis eram guerreiros ou reis, não profetas que anunciassem o Cristo. Mas, em 1742, no “Messias”, só  interessou um personagem: o Cristo. Nenhum dos outros oratórios conseguiu alcançar a beleza dessa obra-prima, na qual relata, em conformidade com os profetas  (Isaías, Ageu, Malaquias, Zacarias, Jeremias e Jó), os evangelistas (Lucas, Mateus e  João) e os epistológrafos (Hebreus e Paulo), a Anunciação, o Nascimento, a Paixão,  a Redenção, a Ressurreição e a Ação de Graças do Messias.

Aos dois mestres da música religiosa (Bach e Haendel) podemos juntar, na composição de oratórios cristológicos, Beethoven, Berlioz, Dubois, Haydn,  Jommelli, Liszt, Martin, Messiaen, Migot, Penderecki, Pepping, Perosi, Petrassi,  Porpora, Rivier, Saint-Saëns, Scarlatti, Schütz, Spohr, Stainer, Telemann, Theile  e Tournemire.

Você, prezado leitor, que conhece as biografias dos heróis da fé,  ouvindo os oratórios aqui citados, terá um entendimento mais largo e profundo  da história do povo de Deus, dele podendo extrair lições para sua vida espiritual.  PS – De 14 a 23 de junho, no “Bachfest” em Leipzig, serão destacadas as relações  teológicas e dramatúrgicas na composição dos oratórios de J. S. Bach.

(Publicado em “O Jornal Batista”, de 05 de maio de 2013, p.3)

2018-02-24T12:00:53+00:00 By |Obras musicais|